quarta-feira, 28 de maio de 2014

DOUTORA VITÓRIA

O breve encontro com uma menina deficiente auditiva. Texto de Robson Franco.

Estava a caminho do dentista e entra no ônibus uma garotinha com a mãe. Percebo nela o encantamento por uma folha de desenhos, dessas que se vende em papelarias e bancas de revistas. Descemos na mesma parada e cada um seguiu seu rumo. Na volta, chego no ponto de ônibus e reencontro a garotinha conversando com a mãe e apontando para dentro da banca de revista. Peguei-a pelas mãos e adentrei na banca e disse-lhe para escolher. Ela ficou em dúvida entre duas.  Eu não! Paguei uma revista e algumas folhas com desenhos para colorir.

Sua mãe perguntou da menina como se dizia e ela agradeceu. Percebi a dificuldade na fala e só então me dei conta que ela usava aparelhos auditivos. Perguntei qual era o seu nome e, com a autorização da mãe, me disse: Vitória! Sabia que por trás daquele nome tinha a história de uma pequena guerreira.

Sua mãe contou que teve uma gravidez difícil e ela tinha nascido de seis meses. Após uma batalha de meses na unidade neonatal, saiu apenas com sequela nos ouvidos. Mas o sonho da mãe é conseguir moradia em Manaus, no Amazonas, para reduzir custos do deslocamento até o Hospital Adriano Jorge, onde a filha faz tratamento. Se isso acontecesse a criança conseguiria iniciar acompanhamento com fono e psicólogo. Hoje a mãe tem que se deslocar do município de Castanho, no interior do estado, até o hospital para cuidar da filha.

Separada por conta das dificuldades em cuidar da menina, foi convidada para trabalhar no Castanho, mas foi enganada e vive quase abandonada recebendo apenas metade do que lhe foi oferecido. O que me chamou mesmo a atenção foi quando Vitória perguntou à mãe: 

- Ele tem filhos? 

Filha única, deve sentir falta de alguém para brincar e conversar. E, ao me despedir, pois meu ônibus se aproximava, aquela garotinha de nove anos cursando a terceira série do Fundamental me surpreende: 

- Eu vou ser doutora!

E foi assim que uma menina cheia de vida nos olhos me deixou com os olhos cheios de lágrima e a voz embargada ao dizer: 

- Vai sim, Vitória. Doutora Vitória!

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