Estava
a caminho do dentista e entra no ônibus uma garotinha com a mãe. Percebo nela o
encantamento por uma folha de desenhos, dessas que se vende em papelarias e
bancas de revistas. Descemos na mesma parada e cada um seguiu seu rumo. Na
volta, chego no ponto de ônibus e reencontro a garotinha conversando com a mãe
e apontando para dentro da banca de revista. Peguei-a pelas mãos e adentrei na
banca e disse-lhe para escolher. Ela ficou em dúvida entre duas. Eu não!
Paguei uma revista e algumas folhas com desenhos para colorir.
Sua
mãe perguntou da menina como se dizia e ela agradeceu. Percebi a dificuldade na
fala e só então me dei conta que ela usava aparelhos auditivos. Perguntei
qual era o seu nome e, com a autorização da mãe, me disse: Vitória! Sabia que
por trás daquele nome tinha a história de uma pequena guerreira.
Sua
mãe contou que teve uma gravidez difícil e ela tinha nascido de seis meses.
Após uma batalha de meses na unidade neonatal, saiu apenas com sequela nos
ouvidos. Mas o sonho da mãe é conseguir moradia em Manaus, no Amazonas,
para reduzir custos do deslocamento até o Hospital Adriano Jorge, onde a filha
faz tratamento. Se isso acontecesse a criança conseguiria iniciar
acompanhamento com fono e psicólogo. Hoje a mãe tem que se deslocar do
município de Castanho, no interior do estado, até o hospital para cuidar da
filha.
Separada
por conta das dificuldades em cuidar da menina, foi convidada para trabalhar no
Castanho, mas foi enganada e vive quase abandonada recebendo apenas metade do
que lhe foi oferecido. O que me chamou mesmo a atenção foi quando Vitória
perguntou à mãe:
- Ele tem filhos?
Filha única, deve sentir falta de alguém
para brincar e conversar. E, ao me despedir, pois meu ônibus se
aproximava, aquela garotinha de nove anos cursando a terceira série do
Fundamental me surpreende:
- Eu vou ser doutora!
E
foi assim que uma menina cheia de vida nos olhos me deixou com os olhos cheios
de lágrima e a voz embargada ao dizer:
- Vai sim, Vitória. Doutora Vitória!