quarta-feira, 14 de setembro de 2011

DESABAFO DE UMA QUASE EX-PROFESSORA


Estou cansada  de alunos indisciplinados e desrespeitosos

Confesso que nunca tinha pensado antes discutir este assunto, mesmo sabendo desde sempre da realidade que vivemos na Educação do Brasil. Mas o depoimento de uma professora numa audiência pública em Natal-RN  (veja vídeo aqui) me inspirou a falar sobre o assunto. Na verdade  desde que o vídeo foi veiculado fiquei pensando se deveria mesmo falar sobre isso. Afinal, ele teve uma repercussão muito grande na mídia e tornou-se o principal assunto nas salas dos professores de todo Brasil. Mas justamente por sempre trabalhar com Educação e saber, como ninguém, da situação que temos, é que tenho o direito de expor minha tristeza e decepção com o tratamento que os professores tem por parte de todos. Um tratamento que se resume em três palavras: falta de respeito. Falta de respeito do poder público, da sociedade, dos pais, dos alunos e até da direção da escola.

A moda agora é mexer no celular e não prestar atenção na aula
Quem está lendo esse texto deve estar pensando "mas por quê uma jornalista está falando em Educação?" Primeiramente porque sou uma cidadã e só isso me dá o direito de falar o que penso. Além disso, como todo bom  jornalista tenho o senso crítico, não sou cega e nem hipócrita para negar o que está diante dos meus olhos. Mas acima de tudo porque tenho conhecimento de causa, sei muito bem o que é uma sala de aula desde muito tempo. Me formei no Magistério (nível médio), dei e dou aulas aulas pra todos os níveis da Educação Básica, do Ensino Infantil ao Ensino Médio. Por isso posso falar como ninguém como estão as salas de aula hoje em dia. A situação é crítica, e falando francamente (não pretendo ser de outra forma), em quase todos os níveis do ensino. Não posso generalizar, tenho que ser justa. Pelo menos até a  terceira série do Ensino Fundamental (hoje quarto ano) o professor consegue resultados satisfatórios. Mas da quarta série em diante, como diz um colega jornalista, "o bicho pega". 

É verdade que a Educação no Brasil sempre foi difícil. Eu costumo dizer que antigamente o professor só ganhava mal, mas tinha o respeito alunos. Hoje nem isso. Falando assim pode parecer que faz muito tempo que os mestres tinham algum respeito, mas não. Há apenas 10 anos eu entrava numa turma do Ensino Médio e conseguia a atenção dos alunos somente estando à frente da sala, sem falar nada. Há apenas 10 anos eu conseguia dar uma aula explicativa e corrigir os exercícios na lousa. Hoje a realidade é bem outra. Você pode pensar que o problema é comigo, que perdi o controle dos alunos, que não tenho mais domínio de sala. Durante algum tempo eu também pensei a mesma coisa. Mas eu o convido a  visitar a sala dos professores de qualquer escola da sua cidade. Converse com os professores, preste atenção nos comentários. Não vai demorar muito tempo para perceber que a situação é unânime.

Mas se a Educação no Brasil sempre foi difícil, uma coisa entornou o caldo de vez, a  PROGRESSÃO CONTINUADA. Sinceramente, eu não sei quem foi o "gênio" que inventou isso, mas com certeza não foi um professor. De acordo a progressão, o aluno não pode repetir de ano, ou seja, a escola é obrigada a promovê-lo mesmo que ele tenha vagabundado o ano inteiro, não tenha feito nenhuma atividade ou trabalho e não tenha conseguido nota suficiente em nenhuma avaliação. Aí eu pergunto, pra quê professor se o aluno sabe que vai passar de ano mesmo que ele não faça nada? Pra quê prestar atenção nas aulas? Pra quê fazer as atividades? Pra quê respeitar o professor? Perdemos completamente nossa função, ensinar.

Situação que se encontram as salas de aula hoje
É por isso que as turmas estão cada vez mais indisciplinadas. O aluno de hoje não quer saber de estudar. O que interessa é passar de ano, mesmo que não aprenda nada. E se ele já sabe que vai passar de ano, perde totalmente o interesse nas aulas. Aí conversa o tempo todo, briga com o colega, sai várias vezes da sala. E não adianta o professor pedir atenção, ninguém ouve. Pra quê? E ainda tem o aluno que acha que o professor tem obrigação de dar nota pra ele. Ele não faz nada o ano inteiro e pensa que tem algum direito. Quando o professor pede um trabalho e recebe  um lixo, o aluno acha ruim se não tem nota. Quando ele simplesmente copia o trabalho do colega, do livro ou da internet  é a mesma coisa. E o que acontece? Muitas vezes o professor é agredido em sala de aula, espancado e até morto. 

Eu estava numa turma do primeiro ano do Ensino Médio passando pelas carteiras, conferindo como os alunos estavam fazendo o trabalho proposto. Percebi que tinha um aluno que não estava fazendo nada e fui até lá conversar com ele. Perguntei se ele não ia mesmo fazer o trabalho e ele disse que não. Eu argumentei que aquele trabalho valia nota e que se ele não fizesse poderia ficar com nota vermelha. Sabe o que ele disse? "Não tem problema, professora, no final do ano eu passo do mesmo jeito". Depois dessa eu me calei e não falei mais nada porque, como dizem, contra fatos não há argumentos. O pior de tudo é às vezes perceber que a própria direção da escola colabora para essa situação. Eu dava aula numa quarta série do Ensino Fundamental e tinha um aluno com 13 anos que, pasmem, não sabia ler nem escrever. Lembro muito bem que cheguei a marcar algumas aulas de reforço, mas ele não aparecia.  Além de tudo faltava demais as aulas.  Me diz como esse aluno conseguiu chegar na quarta série sem saber ler nem escrever? A tal da progressão continuada, claro.

No final do ano é óbvio que ele não conseguiu nota, a não ser vermelha. A diretora me chamou na sala e, acredite, me falou que eu teria que promover o aluno para a quinta série. Eu disse que não ia fazer isso porque ele não tinha como acompanhar nem a  quarta, quanto mais a quinta série.  A diretora falou que a escola não podia reter o aluno porque por lei ele teria que ser promovido. Fiquei revoltada, mas fui obrigada a "dar" nota para o aluno. O que esse aluno ia fazer numa quinta série? Sinceramente, promover esse aluno foi uma maldade. Pra quê se não ia produzir nada? Eu entendo porque ele faltava tanto, além de estar fora da faixa etária dos colegas, não conseguia acompanhar as aulas. Ele não entendia nada que era explicado e  por isso não era capaz de fazer nenhum exercício proposto. Então, o que ia fazer na escola se não tinha motivação nenhuma? Também concordo que era muito melhor ficar em casa. Eu faria a mesma coisa.

Muitos professores são impedidos de fazer seu trabalho
Se o objetivo da Educação é ensinar, transmitir conhecimento, a progressão continuada fere esse princípio. Porque se o aluno não presta atenção nas aulas, não faz os exercícios, logo ele não aprende. Mas mesmo assim passa de ano. No ano seguinte é a mesma coisa, ele continua não prestando atenção nas aulas, não aprendendo... e passando de ano! E o ciclo se repete. Onde está a Educação, pelo amor de Deus? Cadê a Educação que eu não vejo? Onde está o princípio da Educação? Simplesmente: não existe! O que eu vejo são alunos cada vez mais mal educados, cada vez mais desrespeitosos, cada vez mais desinteressados, cada vez mais burros. Aliás, tudo isso não é à toa, tem um motivo. É claro, pra quê transmitir conhecimento se é muito mais fácil manipular uma população ignorante? É isso que o governo quer, um povo burro para manipular, para fazer dele o que quiser. E como conseguir isso? Fazendo da Educação um fiasco. A Educação está um caos. E é bom esclarecer aqui, a palavra certa não é educação e sim, DESEDUCAÇÃO. Cada dia que passa me decepciono mais, principalmente vendo como o poder público trata os professores, com total falta de consideração e respeito.                                        
                                                   
É por isso que está cada vez mais difícil encontrar professores nas salas de aula. Claro, com a situação que temos nas escolas e salas de aula do jeito que estão, somando com o descaso por parte do governo, o professor não quer mais passar por isso, é muita humilhação. Muitos estão mudando de ramo. O professor é o profissional que deveria ser o mais respeitado afinal, todos os outros profissionais passam por ele. Mas a situação é justamente contrária. A desvalorização desse profissional cresce a cada dia e tendência é piorar cada vez mais. Vai chegar o dia em que não vamos mais encontrar professores nas salas de aula e as escolas vão fechar. As aulas vão ser por correspondência ou internet e os mestres estarão em extinção. Talvez, quando chegar esse dia, darão valor ao que tem, mas já será tarde. Pode ser que quando chegue esse dia o aluno passe a querer aprender.

Texto: Loriza Kettle